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These Boots Are Made for Walkin’ - um texto sobre a importância da nossa voz em todos os espaços.

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“You keep playin' where you shouldn't be playin

And you keep thinking that you'll never get burnt, ha!” 

“You keep lyin' when you oughta be truthin'’


Os trechos acima são sobre a música These Boots Are Made for Walkin’, o que significa “essas botas foram feitas para caminhar”. A música foi lançada 1966 por Nancy Sinatra, e tornou-se um hino feminista devido à sua letra que fala de uma mulher que decide tomar as rédeas da sua vida e terminar com um parceiro que constantemente a tratava mal. Após 59 anos, a música ainda está mais atual que nunca, pois, muitas mulheres todos os dias corajosamente rompem relações abusivas e desgastadas não apenas com namorados, mas também com familiares, amizades e colegas de ambientes acadêmicos e de trabalho para recomeçarem suas vidas onde elas possam receber a luz do sol, tal como uma flor que precisa todos os dias dos raios do sol para florescer. Afinal, assim como as plantas, não somos capazes de florescer onde nos maltratam. Iremos definhar dia após dia, pois sem amor, não há vida, apenas uma espécie de sobrevida. E, acredito, que não nascemos para sobreviver, nascemos para viver. 


Há poucos meses atrás eu comecei a dar aulas particulares de química como uma forma de complementar minha renda além de buscar mais experiência profissional na área. Sou estudante de universidade pública, oriunda de baixa renda, então, estou sempre fazendo o que posso para conseguir me manter financeiramente enquanto corro atrás do meu sonho de ser uma grande cientista com diploma de doutorado e também, ser porta voz e inspirar outras meninas e mulheres negras a ingressarem na STEM. Pois bem, enquanto eu divulgava meu trabalho nas redes sociais, um familiar aproveitou a oportunidade para me mandar mensagem dizendo que tinha divulgado meu trabalho. No momento, fiquei feliz e agradecida, porém, meu entusiasmo durou pouco.


Ele me assediou de uma forma absurda, e na hora busquei apoio em alguns familiares que eu achava que ficariam ao meu lado nessa situação. Para minha surpresa, tentaram me silenciar, me acusaram de jogar essa situação vergonhosa para a família toda e que não era justo eu expor meu assediador como eu havia feito porque isso envergonha toda a família. No mesmo instante cortei relações com todos de vez, pensei “como eu sou a culpada se eu fui a vítima?” Acontece que me esqueci por um minuto que sou mulher e numa sociedade machista como a nossa, a mulher sempre está errada porque o correto é ser homem.


Confesso que me questionei se meu trabalho enquanto professora, pesquisadora e divulgadora científica não tem valor algum. Por um instante reacendeu em mim a preocupação de não ter credibilidade pelo meu trabalho e ser vista apenas como um pedaço de carne. Cheguei à conclusão que realmente para homens tipo meu assediador eu realmente sou apenas um pedaço de carne da pior qualidade e que ele divulgou meu post não com a intenção de me ajudar, pois logo ele tirou a máscara e tratou de mostrar que esperava receber algum tipo de recompensa pelo suposto favor. Mas acontece que não sou moeda de troca, eu não estou à venda. Nenhuma de nós está!


Eu sempre tive medo de ser silenciada e apagada como tantas outras mulheres cientistas que admiro, como Lise Meitner, Rosalind Franklin e Mileva Marić e essa situação que sofri trouxe isso de volta à tona. Essas mulheres  foram verdadeiras estrelas que brilham até hoje no céu do conhecimento, porém, nossa sociedade foi construída em bases machistas, cuja cultura do patriarcado foi predominante há séculos, não permitindo que mulheres lessem e estudassem para que não desenvolvem qualquer tipo de pensamento crítico que pudesse colocar em risco a hegemonia masculina, principalmente em posições de poder. Conhecimento é poder e eles sempre souberam disso, e desta forma, sempre tentaram impedir que essa semente poderosa desse frutos em suas mentes. 


No entanto, houveram mulheres corajosas o suficiente para romper bravamente essas correntes impostas em seus pés contra sua vontade. Elas questionaram, estudaram, descobriram e seus feitos estão presentes até hoje em nossa sociedade como seu legado de que mulheres podem ser o que quiserem, inclusive cientistas. Como escreveu a autora Maria Firmina dos Reis, “a mente ninguém pode escravizar”, podemos concluir que essas mulheres sempre souberam disso e jamais se permitiram ser escravas do sistema que tanto as oprime. Embora tenham sido brilhantes e revolucionárias na história da ciência, seus nomes foram apagados, sua história esquecida e suas descobertas apropriadas injustamente pelos homens, muitos inclusive sendo até premiados às custas de outra mulher. 


Antes mesmo de existir o termo “feminismo” já havia mulheres como essas citadas e tantas outras que foram destemidas o bastante para desafiar o ambiente em que viviam e fizeram como na música, calçaram suas botas e foram caminhar. Caminhar rumo à uma vida de mais liberdade, autonomia, para longe do que as limitam e em busca dos seus sonhos, para ocupar todos os espaços que quiserem ocupar, mesmo que as digam o contrário. As mandaram largar os livros e de  volta para o fogão, de volta para o marido abusivo, para o convívio da família que as adoecem com o argumento de “apesar de tudo, é sua família”. Porém elas compreenderam algo que a famosa pintora Frida Kahlo sintetizou em poucas palavras: “onde não puderes amar, não te demores”. Ou seja, se não há respeito por quem somos, não há empatia pela nossa dor, nem espaço para nossa individualidade enquanto mulher, devemos ter a coragem de partir em busca de onde seremos inteiras, ao invés de passar a vida sempre juntando as  partes de si que foram quebradas, cuja quebra foi causada por manter relações falidas que foram plantadas numa terra estéril, que jamais dará frutos. 


Após a dor de ter sido assediada e a decepção de ter sido traída pelas pessoas que pensei que podia confiar, veio a raiva. A revolta e a indignação por tudo isso, por tentarem me calar e por fazerem pouco caso da minha dor, senti revolta pelas mulheres da família que queriam apenas proteger seus homens e em nenhum momento perguntaram como eu estava. Não havia sororidade ali, um espaço de mulheres que inclusive se dizem a favor de pautas progressistas. Mas ao mesmo tempo fui acolhida por muitas outras pessoas, inclusive meus pais, recebi palavras de conforto e incentivo, recebi mensagens como “a tua fala me deu coragem para expor o que aconteceu comigo, obrigada”. Acho que minha frase favorita do filme Mulan, “a flor que floresce na adversidade é a mais rara e bela de todas”, nunca fez tanto sentido porque me senti como uma flor que desabrochou de uma forma totalmente nova e mais resiliente e, o melhor, deixei sementes no peito e na consciência de outras mulheres fantásticas que percebem aos poucos que a sua voz é sua maior arma para sua emancipação e que é isso que irá salvar o mundo. Mulheres livres fazem revoluções incríveis. Aprendemos juntas após essa experiência individual que é hora de colocar nossas botas e caminhar. E nunca mais parar.

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