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A Inteligência Artificial como reprodutora do papel de gênero

Nos últimos anos, a expansão da inteligência artificial (IA) e a introdução dessas novas tecnologias no ambiente familiar aconteceu de forma exponencial. Com o propósito de trazer praticidade e eficiência para o cotidiano dos usuários, as inteligências artificiais voltadas para a substituição do esforço humano em tarefas repetitivas vem se tornando cada vez mais populares e desejadas. Parte dessa popularidade é devido ao caráter de barateamento que as tecnologias mais recentes possuem, uma vez que o seu valor de compra está acessível para as classes sociais menos favorecidas. No entanto, um outro fator social, pouco discutido, também influencia implicitamente na sua fama e desejo pelo público. 


Entre as IA 's mais utilizadas atualmente estão a Siri e a Alexa, e é de conhecimento comum que elas atuam como assistentes pessoais para realizar tarefas e respondem diretamente ao usuário. Porém, uma característica curiosa permeia essa comunicação: as vozes são sempre femininas. Ao fazer um retrato histórico da humanidade, é notório que a posição da mulher na sociedade sempre foi o de servidão e submissão ao sexo masculino. A exemplo, na era vitoriana a ambição feminina deveria ser tornar-se uma boa esposa e boa mãe, além de cumprir com sua “função natural” de cuidar do lar. Seja na posição de cozinheira, costureira, babá, ou lavadeira, a mulher sempre foi atribuída ao trabalho doméstico e de cuidado— não visto como trabalho, enquanto os homens, ao trabalho externo e remunerado. 


Por anos há uma luta pela validação do trabalho realizado dentro de casa pelas mulheres, assim como o esforço feminino para quebrar as barreiras e ocupar outras funções dentro da sociedade. Porém, os estereótipos sociais ainda estão presentes, e o mercado se aproveita dessas fragilidades para impulsionar as vendas de seus produtos. Esse é o cenário que as IAs estão inseridas. A escolha de vozes femininas para esses dispositivos é feita de forma estratégica, utilizando dos padrões vigentes na sociedade para vender seus produtos, reforçando o papel da mulher como servidora. Em uma pesquisa realizada por Naim Zirau, pesquisador na Universidade de St. Gallen, na Suíça, os participantes testaram uma interface de voz em diversos tons e avaliaram sua experiência. Foi observado que os usuários automaticamente atribuíram um gênero para os dispositivos, descrevendo as vozes codificadas por mulheres como "delicadas" e as codificadas por homens como "dominantes", demonstrando, mais uma vez, a preferência por vozes femininas para atividades de assistência e reforçando o papel de subserviência para as mulheres.


De acordo com o estudo intitulado "I'd Blush If I Could", divulgado pela Unesco em 2019, essa problemática é influenciada pela disparidade de gênero no mercado tecnológico. De acordo com dados da Relevo, em 2020, 83,3% do mercado de tecnologia era composto por homens, enquanto as mulheres respondiam por 12,3% dessa área. Dessa forma, a ocupação majoritariamente masculina nesse cenário é refletida na criação de tecnologias que reforçam os estereótipos de gênero. Em resumo, as IAs representam um reflexo do processo histórico onde os homens ocupam posições de poder e as mulheres de servidão, sendo fruto das ideologias dos seus criadores.


Portanto, é necessário não somente a ampliação do debate sobre a influência das IAs no estereótipo de gênero, mas o incentivo de políticas de inclusão das mulheres no mercado tecnológico. Para que os direitos conquistados e a equidade de gênero continuem evoluindo, é necessário estar em alerta para as inovações que podem estar caminhando no sentido oposto.


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