Madalena era uma mulher muito vivida. Sabia tudo que podia ser sabido sobre costura, sobre cozinha, sobre horta, sobre roça, sobre rua de paralelepípedo e a missa das sete da noite. Era filha de seus falecidos pais, mãe da minha mãe e avó minha. Era muito inteligente e sagaz, dona de uma esperteza rápida, também gentil, cuidadora e sempre cheia de saudade da família que já não mais morava na quadra ao lado.
Minha mãe desmanchava seu coração toda vez que explicava que não, naquele domingo não tinha almoço reunido, nem cafézinho passado no fim da tarde, porque a viagem da nossa cidade para a cidade dela era de quatro horas. Ninguém tinha quatro horas disponíveis para passar dentro de um carro. Eventualmente, depois de muitos de seus finais de semana solitários, um dos primos surgiu com a ideia. Mas ia Madalena se adaptar? Ia saber usar aquilo? A Madalena própria não soube se ia gostar, mas não importou muito. Duas semanas mais tarde, chegou à sua porta aquele tão falado aparelho.
Mas é claro que Madalena se deu muito bem. Com o decorrer de algumas semanas, mandava “bom dia” e “boa noite” para todos os seus parentes, perguntava sobre as novidades, contava sobre seus dias, passava as tardes papeando com os netos mais novos e matava quase toda a saudade. Ela, que não ousava mexer naquele antigo computador da sala de estar, se apoderou do seu novo celular e do tão curioso “WhatsApp”.
Certa feita, lembro de ela ter me contado, estava andando pelo longo quintal dos fundos. Em uma mão, a mangueira para regar as flores, na outra, o celular para enviar os áudios. Em meio a uma conversa animada, percebeu que aquele “triangulozinho”, que deveria estar ao lado da sua foto, dessa vez, não estava lá. Enviou outras mensagens, que também não pareciam estar corretas. Não recebeu a resposta de sua comadre. Voltou para dentro de casa, deixou de lado o celular e perguntou ao meu avô. “É aquele ‘uaifai’, sabe? Quando acontece isso, significa que o ‘uaifai’ caiu. É assim que eles falam, né?”.
Madalena, então, resignou-se e se pôs a pensar. Olhou para o celular novamente. Para o seu sobressalto, o triângulo estava lá, bem como uma nova mensagem da sua companheira. Indagou-se: mas por que é que agora isso funciona, e agora há pouco não funcionava? Seria o horário o culpado? Resolveu fazer um teste. Esperou até o dia seguinte, no mesmo horário, apenas para, sentada no sofá da sala, perceber que conseguia, sim, enviar seus áudios.
Estranhou. Levantou-se, desconfiada, e foi ao quintal, para o lado das flores de que cuidava. Ah, mas não era possível! De novo? Mais uma conversa interrompida. Novamente, pôs-se a pensar. O que era aquilo que estava acontecendo? Ora o “uaifai” estava muito bem, obrigado, ora se estatelava no chão. E sabia que não era da hora a culpa. Eu continuo a mesma, pensou. De céu limpo e sol amarelo, o dia também. Esse celular não mudou nada. Nem mesmo a luz caiu. Mais uma vez, olhou ao seu redor.
Devem ser as plantas. Será? Madalena muito se entretinha com tantos caules, folhas e flores, gostava das que gostavam de sol e das que gostavam de sombra. Entusiasmada, levou sua tagarelice até a sala. Tagarelou mais um pouco em seus áudios. Parada ao lado da sua samambaia volumosa, estava certa de que essa conversa, sim, seria interrompida. Não foi. Que nervo! Desistiu. Colocou suas pernas para descansar na mesinha de centro da varanda. Gostava de ver aquelas crianças correrem, aquelas pessoas passarem e aqueles carros se apressando.
Aninhou-se ali mesmo, tentou enviar uma mensagem para minha mãe. Apenas tentou, não conseguiu. Conta ela que, naquele momento, foi por pouco que o celular não foi parar no meio dos paralelepípedos. Em vez disso, no momento seguinte, Madalena já estava a pensar consigo: então é isso! Será mesmo? Deve ser. Pôs-se a caminhar pela casa, rosto tão enfiado naquela telinha quanto os cientistas enfiados em seus livros. Foi à cozinha. A mensagem demorou a ser enviada. Passou à sala de jantar. O mesmo. Chegou à sala de estar. Enviada. Passou pelos quartos. Demorou alguns segundos. Chegou ao seu quintal, bem no fundo do terreno. O tal do “uaifai” não mais funcionou.
Radiante, foi contar ao meu avô, que, tão parceiro, olhou pelas paredes, atrás dos quadros, embaixo do sofá e dentre os novelos de lã da cestinha de crochê. Era o lugar, enfim. Mas o que tinha dentro daquela sala que fazia com que os áudios que Madalena gravava chegassem tão bem aos seus destinatários? Muito vasculharam, até encararem, com muito estranhamento, aquele aparelhinho pequeno, com luzes que piscavam e uma antena que apontava para o céu. “O ‘uaifai’, é daí que ele vem, será?”.
Naquela noite, lembro de ter sido eu a receber uma ligação de vovó. “Então, é ou não é de lá?”. É, sim. Soava tão feliz quanto deveria estar por ter comprovado sua teoria. Ela mesma se encarregou de me avisar que era para eu tomar cuidado. Como sua própria descoberta regia, quanto mais distante eu me colocasse daquele “aparelhinho que tem antena”, aqui em casa, mais difícil seria para eu receber suas mensagens de “bom dia” e lhe contar sobre meu trabalho. Contou-me toda a sua jornada. Tão interessante quanto a história que Madalena me contou foi a história de minha sobrinha. Ao telefone: “Tio, aprendi hoje sobre método científico. Quer saber o que é?”.
Por Alice Ribeiro de Godoi
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